UNIVERSIDADE GALILEU, PORTO
ALEGRE, BRASIL, 2008.
Terceira
semana de maio de 2008, terça-feira.
Não
sei se sentia alivio em não ter que falar mais do Justiceiro do Senhor ou
tristeza ao pensar em Hank na cadeia, à espera do julgamento. Conversei muito
com Leona no final de semana passado. Saímos juntas e ela me revelou algumas
coisas de sua vida. Quando a indaguei a respeito de onde tinha aprendido
aquelas coisas, onde havia estudado, disse-me o seguinte:
- Ah, chegou a hora de te
contar mesmo. Não que seja um grande segredo, algo secreto ou coisa parecida. É
que cheguei aqui há pouco tempo e demorei a firmar amizade. Lembra-se que te
falei outro dia sobre alguns amigos que gostam de enigmas e tal?
- Sim – respondi – no dia
em que decifrou, em questão de segundos, a mensagem sobre a bomba no carro da
professora Zilandra.
- Sou do Maranhão e pelas
bandas de lá, mais precisamente numa cidadezinha tão pequena que nem aparece
nos mapas, chamada Igarapé Grande, um grupo de amigos curiosos formou uma
organização de pesquisas chamada Grupo7.
- Grupo7? Por que? Tem 7
pessoas?
- É o que todo mundo sempre
pensa – ela sorriu – acontece que somos um grupo de jovens cristãos que
pesquisa a Bíblia especialmente em dois assuntos interessantes e polêmicos:
profecia e numerologia.
- Ah, numerologia? E existe
isso na Bíblia? Na hora do debate, você, meio que rapidamente, falou algumas
coisas sobre o número 6, o número 7...
- Sim, mas não era a hora
certa para debater esse tipo de assunto, apenas não resisti a tentação quando o
professor Miranda citou a parábola dos seis cegos e o elefante.
- Numerologia, número 7...
ah, já entendi o porque do nome Grupo7. É algo relacionado a numerologia
bíblica, certo?
- Sim, na verdade, o grupo
surgiu de uma certa pesquisa a respeito do número 7.
- Agora aguçou ainda mais
minha curiosidade. Você disse naquele dia da bomba que esses seus amigos estão
espalhados pelo mundo. Quer dizer pelo mundo mesmo?
Ela
sorriu.
- Bem, não é uma
organização mundial. É uma filosofia. Começou como um pequeno grupo numa
cidadezinha minúscula, mas, através da Internet, já tivemos contato até com
estrangeiros.
- Puxa! E aqui em Porto
Alegre, há mais alguém, além de você?
Leona
sorriu como quem estava sentindo grande prazer em ver as reações de surpresas e
admiração em meu rosto. Ela disse:
- Há duas pessoas nesta
Universidade. Por enquanto só posso revelar uma porque a outra pediu segredo
até um certo assunto ser resolvido.
- Tá ficando ainda mais
interessante – eu disse, logo acrescentando – é algum gatinho solteiro?
- Andou bem perto. Mas ele
já é casado e em breve vai desafiar o Clube dos Racionalistas.
- Essa não! Querem dar
outra surra naqueles coitados? Espera aí! Não diga mais nada. Pelas suas
palavras e pela minha intuição, estamos falando... – eu respirei fundo antes de
concluir – estamos falando do professor Eliakim?
- Muito bem, detetive
Alanna.
- Engraçado. Quer dizer que
vocês já se conheciam?
- Há pelo menos uns quatro
anos.
*******
UNIVERSIDADE GALILEU, PORTO
ALEGRE, BRASIL, 2008.
Pois
é. Houve um debate na semana passada, fora da data tradicional e já estavam
falando num próximo? Isso tudo era muito estranho. Ao passar diante do quadro
de avisos vi a chamada.
“PROFESSOR
ELIAKIM DESAFIA O CLUBE DOS RACIONALISTAS PARA UM DEBATE SOBRE A INSPIRAÇÃO DA
BÍBLIA NA PRÓXIMA REUNIÃO NA COVA DOS LEÕES.”
Ali
perto o professor Miranda e a professora Yamara (Do Departamento de Física)
estavam conversando. É feio ouvir a conversa dos outros, eu sei. Mas imaginei
que estavam falando sobre o debate, e eu queria saber. Aproximei-me com cuidado
e fiquei atrás de uma coluna. Escutei o seguinte:
- Só porque aquela doida se
mostrou com aquela conversa sobre os judeus, os fanáticos cristãos estão se
animando para nos desafiar. Vão quebrar a cara. Já encarreguei os irmãos
Carvalho para apurarem toda baboseira teológica sobre os judeus e sobre
profecias – Miranda estava zangado.
- Vamos apresentar uma
seleção de interpretações das profecias feitas por muitos fanáticos cristãos
durante os séculos, especialmente aquelas onde marcaram datas para o fim do
mundo e passaram a maior vergonha. Temos que mostrar para o público que essa
gente não merece confiança, pois são cheios de discordâncias entre si e muitos
até usam de fraudes – Miranda falava e respirava com dificuldade. Estava muito
nervoso. Leona ainda estava entalada na garganta dele.
- Andei pesquisando – disse
Yamara – e descobri que nem todos os líderes cristãos aceitam a interpretação
das profecias feita por Leona. Muitos deles não acreditam num futuro para os
judeus como nação. Na opinião deles, Deus cancelou para sempre o pacto que
fizera com os judeus no passado e nomeou a Igreja Cristã como o Novo Israel.
- Muito bem.
- Mas, e se apresentarem um
assunto novo, algo inédito como Leona fez?
- Não seremos mais pegos de
surpresa. A culpa foi nossa. Como nunca enfrentamos um cristão que conhecesse
bem as profecias, relaxamos nessa parte. Mas de agora em diante...
- Mas, na forma em que
Leona apresentou as coisas, parece bem convincente.
Miranda
olhou sério para Yamara.
- Por favor, não me diga
que se abalou com as palavras daquela doida?
- Não, é claro que não. Até
parece que você não me conhece.
Decidi
me afastar dali. Já ouvira o suficiente. E, pelo que observei, Miranda estava
abalado, mas se fazia de durão. E Yamara, uma cética tão convicta, estava me
parecendo uma agnóstica. Mais uma observação sobre eles: os dois eram
solteiros, inteligentes e independentes. Eram bons amigos, e freqüentemente estavam
juntos. Mas a maneira de Yamara olhar para ele evidenciava que sentia algo
muito maior por aquele professor durão.
*******
UNIVERSIDADE GALILEU, PORTO
ALEGRE, BRASIL, Última sexta-feira de maio de 2008.
Havia
mais gente do que no debate anterior. E imaginem que, na noite da apresentação
de Leona, o salão estava “entupido” de gente.
Ninguém
fazia a mínima idéia a respeito de qual seria o tema daquela noite. Só sabíamos
que era algo relacionado à inspiração sobrenatural da Bíblia, mas nada sobre o
tipo de argumento que Eliakim iria usar contra os Racionalistas. O professor
Miranda fez questão de representar o grupo novamente.
Miranda
levantou-se e pediu:
- Senhores, um momento de
suas atenções, por favor. Como já é tradição, nesta Universidade, na última
sexta-feira do mês, qualquer um tem a oportunidade de vir até aqui e apresentar
uma teoria exótica sobre qualquer tema. Recentemente, uma série de
acontecimentos infelizes mexeu com nossas rotinas e programações e tivemos um
debate fora da data padrão.
O
convidado desta noite é o senhor Eliakim Florestany. Ele é professor de
História, recém contratado desta Universidade. É cristão, e certamente sua
teoria envolve coisas como Deus, Bíblia, etc. Como nosso Clube é democrático,
qualquer um pode apresentar qualquer teoria aqui, por mais maluca que seja. É
claro que a teoria apresentada deve ser convincente, fundamentadas em bases
sólidas e capaz de resistir aos mais pesados argumentos contrários. Estamos
aqui pra isso, e não pra aceitar qualquer lorota como verdade.
A
palavra é sua, professor Eliakim.
Eliakim agradeceu, dirigiu-se ao quadro e escreveu
a seguinte fórmula:
ab x ba = cdef
cdef + fedc = abba
abba = b x b x bb
- Antes de mais nada,
gostaria que copiassem essa fórmula – disse, sob os olhares desconfiados e
inquietos dos universitários.
Miranda
ficou sério. Começava a suspeitar de outra surpresa desagradável para ele e os
Racionalistas.
- Oxente! Eu pensei que
esta reunião fosse para um debate sobre Deus... – Disse Florêncio Farias,
estudante de Matemática e um dos Racionalistas, um baixinho sorridente, que
trazia um brinco do tamanho de uma pulseira, pendurado na orelha esquerda. Em
outras épocas as universidades não aceitariam certos adereços extravagantes.
- E por que não seria? – Eliakim
sorriu, de forma irônica – será que a Matemática não teria nada a ver com Deus?
- Não vejo relação nenhuma
– Florêncio tornou a falar – por exemplo, a Matemática existe e pode ser
provada, mas Deus não...
- Tem certeza?
- Não podemos ter certeza
de nada nesta vida.
- Tem certeza? – Insistiu Eliakim.
Florêncio
percebeu a contradição de suas palavras e resolveu se calar. Sem perda de
tempo, Eliakim prosseguiu:
- É claro que vocês adoram
debater sobre Deus, mesmo que a maioria diga não acreditar Nele. Vocês estão
muito acostumados a debaterem com os cristãos, e estão cansados de ouvir os
tradicionais argumentos sobre a existência de Deus. Recentemente, a estudante
Leona trouxe um tema muito interessante para este palco. Acredito que não
esquecerão nunca mais. Eu tenho uma
teoria exótica, algo que, conforme as centenas de evidências, deve ser verdade
e não simplesmente teoria. É claro que, para os cristãos, uma das maiores
provas da existência de Deus é a Bíblia. Uma das questões críticas para a
ciência hoje em dia é:
O UNIVERSO SURGIU POR ACASO
OU FOI CRIADO POR UMA INTELIGÊNCIA EXTRATERRENA?
Por
isso nosso debate vai girar em torno de uma frase da Bíblia, a primeira, a mais
importante sobre a origem do Universo. Gênesis 1.1 diz: “NO PRINCIPIO CRIOU DEUS
OS CÉUS E A TERRA”. Será verdade?
- Não pode ser verdade, Eliakim,
pois a verdade não existe – Disse a professora Yamara.
- E como você sabe que isso
que acabou de dizer é verdade?
Novamente
alguém se tocou que havia entrado em contradição com suas próprias palavras.
Yamara
fechou a cara, principalmente devido às risadinhas dos próprios colegas. Ela
olhou seriamente para eles, sem dizer nada, mas na expressão estava claro:
“VOCÊS ESTÃO DO LADO DELE OU DO MEU?”
Miranda
estava misteriosamente quieto. Para muitos parecia que ele estava com uma carta
na manga, aguardando o momento para jogar o bote. Mas para mim, ele estava era
preocupado com a misteriosa teoria de Eliakim.
- Vocês sabem quem escreveu
o versículo que acabei de citar? – Perguntou Eliakim, olhando para a platéia.
- Dizem que foi Moisés –
Respondeu alguém do fundo, um cara que se vestia como um hippie e parecia estar
sempre “doidão”. Por isso costumava causar admiração quando falava, pois
gostava de estar por dentro dos assuntos. O nome dele era Elvis (claro, os pais
deviam ser fãs do rei do rock).
- Não sabia que tu era escritor, cara – disse
um engraçadinho, tocando de leve no ombro do sujeito de olhar frio, um
estudante chamado Moisés. Este virou-se, sem piscar e não disse nada.
*******
Setembro de 2001.
Eram
quase 4 horas da manhã. Eliakim ainda estava na Internet, falou com dezenas de
pessoas e finalmente conseguiu o endereço eletrônico do jornalista. Enviou uma
mensagem para ele.
Na
noite seguinte, o jornalista respondeu dizendo que, em dois dias, iria
disponibilizar a reportagem via Internet. Dois dias? Era tempo demais. Após
dois meses, Eliakim voltou a sentir aquela coisa maravilhosa em seu coração. A
mesma sensação que sentiu no dia em que teve o encontro indescritível.
Os
dois dias chegaram. A ansiedade do jovem professor era grande e seu coração
batia forte enquanto descarregava o arquivo da reportagem em seu computador.
Chegou a hora. Ali estava ela.
“Meu
Deus! É ela mesma!”
Ele
colocou o volume no nível mais alto. Queria ouvir a voz dela.
- Não acredito no fim do
mundo. Acredito na restauração de todas as coisas. Acredito que Deus vai
cumprir Sua Palavra e estabelecer Seu Reino eterno neste planeta. E acredito
que não vai demorar mais. Não sei quanto tempo ainda. O mais importante agora é
falar do amor de Deus e tentar mudar a vida de algumas pessoas. Sabia que Jesus
te ama?
O
repórter sorriu e agradeceu.
Eliakim
voltou a cena. Viu e ouviu tudo novamente. E mais uma vez. Outra vez. Ele
passou meia hora, vendo a mesma cena. Congelou a imagem várias vezes.
- Meu Deus! Como pode ser
tão encantadora?
Ele
imprimiu a imagem e colou na parede. Agora tinha esperança de reencontrá-la
outra vez. Agora sabia mais alguma coisa. Não iria descansar enquanto não a
reencontrasse. Já sabia alguma coisa: ela era cristã. Talvez fosse americana.
Quem sabe nova-iorquina.
“Será
que minha busca chegou ao fim?”
Nenhum comentário:
Postar um comentário