segunda-feira, 3 de novembro de 2014

CAPÍTULO 19 - RESPONDAM-ME, SE PUDEREM!

UNIVERSIDADE GALILEU, PORTO ALEGRE, BRASIL, 2008.

Terceira semana de maio de 2008, terça-feira.

Não sei se sentia alivio em não ter que falar mais do Justiceiro do Senhor ou tristeza ao pensar em Hank na cadeia, à espera do julgamento. Conversei muito com Leona no final de semana passado. Saímos juntas e ela me revelou algumas coisas de sua vida. Quando a indaguei a respeito de onde tinha aprendido aquelas coisas, onde havia estudado, disse-me o seguinte:

- Ah, chegou a hora de te contar mesmo. Não que seja um grande segredo, algo secreto ou coisa parecida. É que cheguei aqui há pouco tempo e demorei a firmar amizade. Lembra-se que te falei outro dia sobre alguns amigos que gostam de enigmas e tal?

- Sim – respondi – no dia em que decifrou, em questão de segundos, a mensagem sobre a bomba no carro da professora Zilandra.

- Sou do Maranhão e pelas bandas de lá, mais precisamente numa cidadezinha tão pequena que nem aparece nos mapas, chamada Igarapé Grande, um grupo de amigos curiosos formou uma organização de pesquisas chamada Grupo7.

- Grupo7? Por que? Tem 7 pessoas?


- É o que todo mundo sempre pensa – ela sorriu – acontece que somos um grupo de jovens cristãos que pesquisa a Bíblia especialmente em dois assuntos interessantes e polêmicos: profecia e numerologia.

- Ah, numerologia? E existe isso na Bíblia? Na hora do debate, você, meio que rapidamente, falou algumas coisas sobre o número 6, o número 7...

- Sim, mas não era a hora certa para debater esse tipo de assunto, apenas não resisti a tentação quando o professor Miranda citou a parábola dos seis cegos e o elefante.

- Numerologia, número 7... ah, já entendi o porque do nome Grupo7. É algo relacionado a numerologia bíblica, certo?

- Sim, na verdade, o grupo surgiu de uma certa pesquisa a respeito do número 7.

- Agora aguçou ainda mais minha curiosidade. Você disse naquele dia da bomba que esses seus amigos estão espalhados pelo mundo. Quer dizer pelo mundo mesmo?

Ela sorriu.

- Bem, não é uma organização mundial. É uma filosofia. Começou como um pequeno grupo numa cidadezinha minúscula, mas, através da Internet, já tivemos contato até com estrangeiros.

- Puxa! E aqui em Porto Alegre, há mais alguém, além de você?

Leona sorriu como quem estava sentindo grande prazer em ver as reações de surpresas e admiração em meu rosto. Ela disse:

- Há duas pessoas nesta Universidade. Por enquanto só posso revelar uma porque a outra pediu segredo até um certo assunto ser resolvido.

- Tá ficando ainda mais interessante – eu disse, logo acrescentando – é algum gatinho solteiro?

- Andou bem perto. Mas ele já é casado e em breve vai desafiar o Clube dos Racionalistas.

- Essa não! Querem dar outra surra naqueles coitados? Espera aí! Não diga mais nada. Pelas suas palavras e pela minha intuição, estamos falando... – eu respirei fundo antes de concluir – estamos falando do professor Eliakim?

- Muito bem, detetive Alanna.

- Engraçado. Quer dizer que vocês já se conheciam?

- Há pelo menos uns quatro anos.

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UNIVERSIDADE GALILEU, PORTO ALEGRE, BRASIL, 2008.

Pois é. Houve um debate na semana passada, fora da data tradicional e já estavam falando num próximo? Isso tudo era muito estranho. Ao passar diante do quadro de avisos vi a chamada.

“PROFESSOR ELIAKIM DESAFIA O CLUBE DOS RACIONALISTAS PARA UM DEBATE SOBRE A INSPIRAÇÃO DA BÍBLIA NA PRÓXIMA REUNIÃO NA COVA DOS LEÕES.”

Ali perto o professor Miranda e a professora Yamara (Do Departamento de Física) estavam conversando. É feio ouvir a conversa dos outros, eu sei. Mas imaginei que estavam falando sobre o debate, e eu queria saber. Aproximei-me com cuidado e fiquei atrás de uma coluna. Escutei o seguinte:

- Só porque aquela doida se mostrou com aquela conversa sobre os judeus, os fanáticos cristãos estão se animando para nos desafiar. Vão quebrar a cara. Já encarreguei os irmãos Carvalho para apurarem toda baboseira teológica sobre os judeus e sobre profecias – Miranda estava zangado.

- Vamos apresentar uma seleção de interpretações das profecias feitas por muitos fanáticos cristãos durante os séculos, especialmente aquelas onde marcaram datas para o fim do mundo e passaram a maior vergonha. Temos que mostrar para o público que essa gente não merece confiança, pois são cheios de discordâncias entre si e muitos até usam de fraudes – Miranda falava e respirava com dificuldade. Estava muito nervoso. Leona ainda estava entalada na garganta dele.

- Andei pesquisando – disse Yamara – e descobri que nem todos os líderes cristãos aceitam a interpretação das profecias feita por Leona. Muitos deles não acreditam num futuro para os judeus como nação. Na opinião deles, Deus cancelou para sempre o pacto que fizera com os judeus no passado e nomeou a Igreja Cristã como o Novo Israel.

- Muito bem.

- Mas, e se apresentarem um assunto novo, algo inédito como Leona fez?

- Não seremos mais pegos de surpresa. A culpa foi nossa. Como nunca enfrentamos um cristão que conhecesse bem as profecias, relaxamos nessa parte. Mas de agora em diante...

- Mas, na forma em que Leona apresentou as coisas, parece bem convincente.

Miranda olhou sério para Yamara.

- Por favor, não me diga que se abalou com as palavras daquela doida?

- Não, é claro que não. Até parece que você não me conhece.

Decidi me afastar dali. Já ouvira o suficiente. E, pelo que observei, Miranda estava abalado, mas se fazia de durão. E Yamara, uma cética tão convicta, estava me parecendo uma agnóstica. Mais uma observação sobre eles: os dois eram solteiros, inteligentes e independentes. Eram bons amigos, e freqüentemente estavam juntos. Mas a maneira de Yamara olhar para ele evidenciava que sentia algo muito maior por aquele professor durão.

*******

UNIVERSIDADE GALILEU, PORTO ALEGRE, BRASIL, Última sexta-feira de maio de 2008.

Havia mais gente do que no debate anterior. E imaginem que, na noite da apresentação de Leona, o salão estava “entupido” de gente.

Ninguém fazia a mínima idéia a respeito de qual seria o tema daquela noite. Só sabíamos que era algo relacionado à inspiração sobrenatural da Bíblia, mas nada sobre o tipo de argumento que Eliakim iria usar contra os Racionalistas. O professor Miranda fez questão de representar o grupo novamente.

Miranda levantou-se e pediu:

- Senhores, um momento de suas atenções, por favor. Como já é tradição, nesta Universidade, na última sexta-feira do mês, qualquer um tem a oportunidade de vir até aqui e apresentar uma teoria exótica sobre qualquer tema. Recentemente, uma série de acontecimentos infelizes mexeu com nossas rotinas e programações e tivemos um debate fora da data padrão.

O convidado desta noite é o senhor Eliakim Florestany. Ele é professor de História, recém contratado desta Universidade. É cristão, e certamente sua teoria envolve coisas como Deus, Bíblia, etc. Como nosso Clube é democrático, qualquer um pode apresentar qualquer teoria aqui, por mais maluca que seja. É claro que a teoria apresentada deve ser convincente, fundamentadas em bases sólidas e capaz de resistir aos mais pesados argumentos contrários. Estamos aqui pra isso, e não pra aceitar qualquer lorota como verdade.

A palavra é sua, professor Eliakim.

Eliakim agradeceu, dirigiu-se ao quadro e escreveu a seguinte fórmula:

ab x ba = cdef
cdef + fedc = abba
abba = b x b x bb

- Antes de mais nada, gostaria que copiassem essa fórmula – disse, sob os olhares desconfiados e inquietos dos universitários.

Miranda ficou sério. Começava a suspeitar de outra surpresa desagradável para ele e os Racionalistas.

- Oxente! Eu pensei que esta reunião fosse para um debate sobre Deus... – Disse Florêncio Farias, estudante de Matemática e um dos Racionalistas, um baixinho sorridente, que trazia um brinco do tamanho de uma pulseira, pendurado na orelha esquerda. Em outras épocas as universidades não aceitariam certos adereços extravagantes.

- E por que não seria? – Eliakim sorriu, de forma irônica – será que a Matemática não teria nada a ver com Deus?

- Não vejo relação nenhuma – Florêncio tornou a falar – por exemplo, a Matemática existe e pode ser provada, mas Deus não...

- Tem certeza?

- Não podemos ter certeza de nada nesta vida.

- Tem certeza? – Insistiu Eliakim.

Florêncio percebeu a contradição de suas palavras e resolveu se calar. Sem perda de tempo, Eliakim prosseguiu:

- É claro que vocês adoram debater sobre Deus, mesmo que a maioria diga não acreditar Nele. Vocês estão muito acostumados a debaterem com os cristãos, e estão cansados de ouvir os tradicionais argumentos sobre a existência de Deus. Recentemente, a estudante Leona trouxe um tema muito interessante para este palco. Acredito que não esquecerão nunca mais.  Eu tenho uma teoria exótica, algo que, conforme as centenas de evidências, deve ser verdade e não simplesmente teoria. É claro que, para os cristãos, uma das maiores provas da existência de Deus é a Bíblia. Uma das questões críticas para a ciência hoje em dia é:

O UNIVERSO SURGIU POR ACASO OU FOI CRIADO POR UMA INTELIGÊNCIA EXTRATERRENA?

Por isso nosso debate vai girar em torno de uma frase da Bíblia, a primeira, a mais importante sobre a origem do Universo. Gênesis 1.1 diz: “NO PRINCIPIO CRIOU DEUS OS CÉUS E A TERRA”. Será verdade?

- Não pode ser verdade, Eliakim, pois a verdade não existe – Disse a professora Yamara.

- E como você sabe que isso que acabou de dizer é verdade?

Novamente alguém se tocou que havia entrado em contradição com suas próprias palavras.

Yamara fechou a cara, principalmente devido às risadinhas dos próprios colegas. Ela olhou seriamente para eles, sem dizer nada, mas na expressão estava claro: “VOCÊS ESTÃO DO LADO DELE OU DO MEU?”

Miranda estava misteriosamente quieto. Para muitos parecia que ele estava com uma carta na manga, aguardando o momento para jogar o bote. Mas para mim, ele estava era preocupado com a misteriosa teoria de Eliakim.

- Vocês sabem quem escreveu o versículo que acabei de citar? – Perguntou Eliakim, olhando para a platéia.

- Dizem que foi Moisés – Respondeu alguém do fundo, um cara que se vestia como um hippie e parecia estar sempre “doidão”. Por isso costumava causar admiração quando falava, pois gostava de estar por dentro dos assuntos. O nome dele era Elvis (claro, os pais deviam ser fãs do rei do rock).

 - Não sabia que tu era escritor, cara – disse um engraçadinho, tocando de leve no ombro do sujeito de olhar frio, um estudante chamado Moisés. Este virou-se, sem piscar e não disse nada.

*******
Setembro de 2001.

Eram quase 4 horas da manhã. Eliakim ainda estava na Internet, falou com dezenas de pessoas e finalmente conseguiu o endereço eletrônico do jornalista. Enviou uma mensagem para ele.

Na noite seguinte, o jornalista respondeu dizendo que, em dois dias, iria disponibilizar a reportagem via Internet. Dois dias? Era tempo demais. Após dois meses, Eliakim voltou a sentir aquela coisa maravilhosa em seu coração. A mesma sensação que sentiu no dia em que teve o encontro indescritível.

Os dois dias chegaram. A ansiedade do jovem professor era grande e seu coração batia forte enquanto descarregava o arquivo da reportagem em seu computador. Chegou a hora. Ali estava ela.

“Meu Deus! É ela mesma!”

Ele colocou o volume no nível mais alto. Queria ouvir a voz dela.

- Não acredito no fim do mundo. Acredito na restauração de todas as coisas. Acredito que Deus vai cumprir Sua Palavra e estabelecer Seu Reino eterno neste planeta. E acredito que não vai demorar mais. Não sei quanto tempo ainda. O mais importante agora é falar do amor de Deus e tentar mudar a vida de algumas pessoas. Sabia que Jesus te ama?

O repórter sorriu e agradeceu.

Eliakim voltou a cena. Viu e ouviu tudo novamente. E mais uma vez. Outra vez. Ele passou meia hora, vendo a mesma cena. Congelou a imagem várias vezes.

- Meu Deus! Como pode ser tão encantadora?

Ele imprimiu a imagem e colou na parede. Agora tinha esperança de reencontrá-la outra vez. Agora sabia mais alguma coisa. Não iria descansar enquanto não a reencontrasse. Já sabia alguma coisa: ela era cristã. Talvez fosse americana. Quem sabe nova-iorquina.


“Será que minha busca chegou ao fim?”

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