terça-feira, 9 de setembro de 2014

CAPÍTULO 1 - POR QUE GOSTAMOS DE PERGUNTAR O “POR QUE” DAS COISAS?

“A vida tem algum propósito?”

Não era a primeira vez que Ziva fazia essa pergunta a si mesma. Tinha 28 anos. Cresceu numa cidadezinha desconhecida da Inglaterra, mas hoje morava em Londres. Já havia concluído três faculdades. História, Antropologia e Matemática. Não havia se tornado historiadora ou antropóloga. Mas foi parar numa Universidade inglesa como professora de... Matemática.

“Se não existe nenhum propósito nesta vida, por que há alguma coisa ao invés de nada?”

As interrogações não paravam, enquanto Ziva via as nuvens passando. Sim, ela estava à bordo de um avião. Participava de uma organização de intercâmbios e havia sido sorteada para passar duas semanas na companhia de vários professores de vários países, em Roma. Aquela viagem veio na hora certa. Ela precisava respirar novos ares, conhecer novas pessoas. Era uma pessoa livre, independente. Morava sozinha. Não tinha namorado. Seus amigos eram poucos. Não se podia dizer que Ziva era uma pessoa sociável.

Estava tão absorta em seus pensamentos que nem observou direito quem se sentava ao seu lado. Parou um pouco e procurou observar sem dar na vista. Era apenas um homem que aparentava ter uns 40, 41 ou 42 anos, de acordo com o aspecto físico. Ziva se gabava de ser capaz de “ler” a idade dos outros só pela cara e geralmente acertava.

O “quarentão” era atraente, mas Ziva queria distância daquele tipo de coisa. Na verdade, os poucos amigos a chamavam de “coração de aço”, pois ela não dava a mínima para os relacionamentos amorosos. Ninguém saberia dizer se um dia já a vira saindo com alguém. A opinião dela sobre essas coisas resumia-se numa só palavra: BOBAGEM!

Ela gostava de dizer que não acreditava em três coisas: Em Deus, nas pessoas e no amor.

Ela não via nenhum sentido neste Universo. Somente uma coisa a perseguia. Algo que a intrigava desde a infância. Quando olhou sua passagem e viu o número da sua cadeira, mordeu os lábios.

“Que coisa! Até aqui?”

Sua cadeira era a de número 33. Por que não a 32 ou 34? Que tipo de maldição seria aquela?


Enquanto pensava nisso, tentou olhar sorrateiramente por sobre o ombro do companheiro de vôo, pois ele estava lendo um livro.

Ela queria ver o número da página do livro. Já pressentia o que iria ver. Mas ainda nutria uma pequena esperança de que estivesse errada. Mas não estava.

Naquele momento, o livro estava aberto entre as páginas 32 e 33.

“Antes de morrer gostaria de saber o que tudo isso significa”.

Fechou os olhos e tentou dormir. Algum tempo depois não sabia se estava sonhando ou apenas lembrando do passado. As cenas começaram a ficar mais nítidas.

Ziva era uma menina inteligente e inquieta. Fora adotada por uma professora inglesa, que a encontrou num orfanato. Nunca soube nada sobre seus verdadeiros pais. Ziva cresceu saudável e inteligente, mas seu coração era triste, havia uma misteriosa melancolia em torno daquela menina. Tinha poucos amigos, passava muito tempo trancada em seu quarto lendo, e pouco a pouco, sua aura de “menina misteriosa” foi crescendo. Aos 9 anos começou a observar que havia uma espécie de perseguição numérica em sua vida. Por seu nome começar com a letra A, seus números nos colégios sempre foram os primeiros. Mas, misteriosamente, sempre eram 3.

Quando começou o Ensino Médio, pela primeira vez, seu número não foi 3. Agora era 9. Sim, exatamente 9, ou seja, o quadrado de 3. Ela não falava disso com ninguém, mas sentia-se muito incomodada. Certo dia na biblioteca da escola, esteve a ponto de achar que havia ficado doida. Na seção em que estava pesquisando, notou três estudantes. A camisa de um estampava o número 3. O segundo tinha o número 33 e o terceiro, uma moça, usava uma blusa cheia de flores, um jardim. E, no canto da blusa, uma pequena placa com o número 333.

- Isso já é demais! – Ziva pensou em voz alta, o que chamou a atenção para ela – Desculpem! Empolguei-me com um texto aqui – desculpou-se.

Repentinamente, teve uma ideia maluca. Fechou os olhos e apanhou um livro qualquer. Abriu-o ao acaso, mas logo fechou desconfiada. Havia aberto na página 33!

Ela tinha medo de falar com alguém sobre isso. Tinha medo de ser enviada a algum centro psiquiátrico. Havia pensado em falar com um padre. Mas, na semana em que estava decidida a consultar o religioso, viu a propaganda de um filme na televisão. Um filme sobre exorcismo. Logo desistiu da idéia.

“Vai que ele pense que estou possessa.”

Com o tempo, achou que o melhor era conviver em paz (e solitária) com aquelas absurdas coincidências. Por ser muito estudiosa cedo entrou na Universidade. E, pouco a pouco, aprendeu a conviver com aquelas coincidências. Imaginou que, se fosse religiosa ou esotérica, já teria encontrado um sentido pra tudo aquilo. Mas, mesmo tendo freqüentado uma igreja cristã quando adolescente, tornou-se ateísta e fechou seu coração para os sentimentos amorosos.

Era muito bonita e não fazia idéia do número de corações que despedaçou ao longo da vida.

Mas, se nada na vida fazia sentido, por que aquelas coincidências?

*******

UNIVERSIDADE GALILEU, PORTO ALEGRE, BRASIL, 2008.

Última sexta-feira de Abril de 2008.

Zilandra Zambelli respirou fundo e concluiu seu raciocínio:

- Portanto, na história da Filosofia a busca da verdade é o objetivo principal. Na verdade, essa busca é a razão de ser da própria Filosofia.

Naquele momento a sirene tocou e a professora anotou alguns números no quadro negro.

- Não se esqueçam. Leiam essas páginas e façam uma dissertação sobre a busca da verdade no decorrer dos séculos.

Mais um dia, mais uma missão cumprida na vida da professora Zilandra, responsável pela cadeira de Filosofia na Universidade Galileu, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

- A senhora vai participar do debate hoje?

- Claro – Zilandra olhou desconfiada para a estudante que havia se aproximado – Por quê?

- Nada demais. Só para confirmar. Parece que a audiência vai ser concorrida – respondeu a moça, sorrindo.

Nas últimas sexta-feiras de cada mês, vários estudantes e professores se reuniam numa sala denominada “Cova dos leões”. O nome era uma brincadeira com a famosa cena bíblica envolvendo o profeta Daniel. Uma vez por mês um candidato era selecionado para defender um tema qualquer. Ele ficava no meio de um círculo cercado por 7 indivíduos conhecidos como os “7 LEÕES” cuja missão era pressionar contra a parede o pobre coitado da vez e refutar todos os seus argumentos. Ganharia o debate quem conseguisse a façanha de deixar os 7 leões contra a parede. Desde que a “Cova dos leões” fora criada, nenhum “Daniel” conseguira sair “vivo” daquela “cova”.

Quem eram os 7 leões? Na verdade, eram quatro leões e três leoas.

1 – Miranda Farelly, professor de Matemática.
2 – Santana Carvalho, estudante de Ciências Políticas e irmão de Perival.
3 – Rochelle Sanchez, professora de Ciências Sociais.
4 – Perival Carvalho, estudante de Direito.
5 – Florêncio Farias, estudante de Matemática.
6 – Yamara Rocha, professora de Física.
7 – Zilandra Zambelli, professora de Filosofia.

Todos eles tinham em comum o fato de serem ateus e pertencerem ao Clube dos Racionalistas, grande associação de céticos e ateus em Porto Alegre. Na verdade, o fundador desse clube, Miranda Farelly, era também o criador da “Cova dos Leões”. Era o mais velho do grupo (42 anos), o mais inteligente, o mais ácido e também o mais cínico. Todos sentiam um frio na espinha ao debaterem com ele.

Naquela noite, Hank Stones, estudante de História, seria o alvo. Ele estava se preparando há três meses para o debate. Ele era cristão e seu tema envolvia justamente o Cristianismo, alvo principal das críticas dos “7 leões”. Sempre que o tema envolvia religião, a sala se tornava muito pequena para tanta gente.

“A benéfica influência do Cristianismo na história da Humanidade” era o tema de Hank.

- Senhores, enfrentamos atualmente uma séria crise moral. O noticiário da tv nos deixa apreensivos com relação ao futuro. Educadores e cientistas se perguntam: Qual a solução para o desafiante problema da delinqüência juvenil? Muitas propostas e soluções são apresentadas diariamente, mas todas falham. E falham por que? Porque o problema da humanidade não é simplesmente questão de educação, ou moralidade. O problema é espiritual. Melhor dizendo: falta de Deus na vida...

Sempre que a palavra “Deus” ou alguma outra relacionada a religião eram pronunciadas, o professor Miranda fechava a cara. Era um cara esquisito. Apesar de quarentão morava sozinho, ninguém conhecia um parente seu e nem seu passado. Mas era fácil deduzir que ele tivera sérios problemas com a religião no passado.

Hank tinha duas horas para expor sua tese. Durante sua apresentação, poderia ser interrompido a qualquer momento e ser interrogado por qualquer dos “leões”. Era tempo suficiente para alguém ser “massacrado”.

A tese de Hank era simples: O problema número 1 da humanidade era a ausência de Deus nos corações. Bem, não vou transcrever o debate na íntegra, pois não é exatamente o objetivo desta reportagem. O que me levou a publicar esta história foi a série de acontecimentos estranhos que por pouco não abalou o prestígio da Universidade Galileu. Como tudo começou logo após o debate de Hank, senti a necessidade de citar alguma coisa daquela noite.

Sou Alanna Maxwell, estudante de Jornalismo. Esta é minha primeira reportagem.

*******

Paris, setembro de 1999.

Biblioteca Victor Hugo. Próximo à seção de livros esotéricos e religiosos, quatro amigos conversavam em voz baixa. Havia vários livros em sua mesa, mas eles pareciam mais interessado em conversar do que ler.

- Algo precisa ser feito para humilhar esses ianques.

- Simples explosões em ônibus ou embaixadas não fazem nem cócegas no orgulho deles. Precisamos de algo inédito, fácil de executar e ao mesmo tempo devastador. Algo que os impactará para sempre.

- Uma bomba atômica?

- Fale baixo, Ramires. Não, isso está além das nossas possibilidades. Entrar com uma bomba lá não é tão simples. Não precisamos correr riscos desnecessários.

- É verdade. Conheço um pessoal disposto a tudo pela glória eterna.

- Glória eterna? Você está falando de mártir suicida?

- Mais ou menos isso.

A única mulher do grupo resolveu falar:

- Vocês estão lembrados da histeria mundial no mês passado, por causa das profecias do tal Nostradamus?

- Claro, os jornais não falaram de outra coisa – respondeu o sujeito que se chamava Ramires – Se não me engano, o fim do mundo estava marcado para 11 de agosto, certo?

- Bem, as pessoas aguardavam o fim do mundo para essa data – a mulher explicou – mas, no dia 11 de agosto de 1999, às 10 horas e 51 minutos, hora em Greenwich, o que ocorreu foi um eclipse total do Sol. Melhor dizendo, a Lua interpôs-se entre a Terra e o Sol, de tal forma que o disco solar ficou todo coberto durante alguns minutos.

- Você está bem informada, Dália – disse um dos homens, sorrindo.

- Informação é essencial, meus amigos.

- E por que achavam que era o fim do mundo?

- Por que havia uma profecia do tal Nostradamus que dizia o seguinte – a mulher continuou explicando – “NO ANO DE 1999 E SETE MESES, DO CÉU VIRÁ O GRANDE REI DO TERROR”.

- Mas aí fala “sete meses”, e não oito.

- Bem, Rachid, os entendidos no assunto dizem que Nostradamus estava usando o calendário Juliano, etc., etc. Mas, mesmo assim, não faz muito sentido.

- Que tal voltarmos ao nosso assunto, amigos?

- Tudo bem, Johnny. Você tem razão – respondeu Ramires – mas foi a Dália que desviou a conversa para esse Nostradamus.

- Desviei por uma razão, meus amigos. No dia em que ocorreu o eclipse solar, eu estava em Nova York, e ouvindo a imprensa noticiando o acontecimento e ao mesmo tempo falando de Nostradamus, tive uma idéia doida. Muito doida mesmo. Eu estava resolvendo uns negócios no World Trade Center, quando vi, na televisão, alguém citando a tal profecia de Nostradamus, causadora da polêmica.

- E? – Johnny estava impaciente.

- Aproximei-me de uma das janelas do WTC – eu estava no 11.º andar – e, enquanto meditava na profecia, vi um avião passando ao longe. Fiquei pensando: “DO CÉU VIRÁ O GRANDE REI DO TERROR”. E a ideia doida surgiu.

- Que idéia doida? Vamos, fale – Disse Johnny, como se estivesse dando uma ordem.

- Calma, meu caro. Não esqueça quem dá os comandos aqui – Dália se irritou, mas logo relaxou e continuou – já passou pela cabeça de alguém aqui assumir o controle de um avião e lançá-lo contra um desses arranha-céus americanos, tipo as torres do World Trade Center?

- Pelas barbas do profeta!

Naquele momento não havia mais ninguém naquela seção de livros, por isso os quatro amigos pareciam à vontade. Mas ali próximo, do outro lado, alguém tentava se concentrar numa leitura. Entretanto, parecia que a conversa entre os quatro amigos era muito mais interessante. Sim. Interessante, porém perigosa.

A mulher chamada Dália tomou mais um gole de café. Levantou-se e ficou alguns segundos com o olhar perdido num ponto qualquer, evidenciando que seus neurônios estavam a mil.


Do outro lado da seção dos livros, alguém tentava, com todo o cuidado possível, olhar para o rosto de Dália. 

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