quarta-feira, 24 de setembro de 2014

CAPÍTULO 6 - A COISA FICA AINDA MAIS SÉRIA

UNIVERSIDADE GALILEU, PORTO ALEGRE, BRASIL, 2008.

Leona estava perto de alguém caído no chão. Era a professora Flora. Se agitava como se estivesse sofrendo um ataque de epilepsia. Vi, aterrorizada, uma espuma branca sair da boca da professora. Ela ficou imóvel. Naquele momento Zilandra abaixou-se, apavorada, e sacudiu o corpo de Flora. Gritou, chamando pelo seu nome. Estava desesperada. Encostou o ouvido no seio de Flora, apertou seu pulso e levantou-se com aquela frase macabra:

- Ela está morta.

- Afastem-se!!! – um dos detetives que estivera recentemente por ali, aproximou-se e ordenou – ninguém toque em nada na mesa. Em nada!!!


A verdade é o seguinte: havia uma boa dose de cianureto na garrafa de coca-cola que Zilandra e Flora iriam tomar. As duas já haviam enchido os copos, mas o momento em que Zilandra ia tomar a dose fatal coincidiu exatamente com o momento em que gritei seu nome. Puxa vida! Mais uma vez, providencialmente, Zilandra foi salva na hora H. Se Deus existia, parece que gostava de ajudar até quem não acreditava nEle. A mensagem assassina estava clara: VENENO! Mas, por pouco o aviso não chega tarde demais. Se bem que ele só foi visto porque puxei a cadeira. E se eu não tivesse puxado?

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O enterro de Flora foi no dia seguinte. Muito triste. E tenso. Em nosso meio não havia mais um mensageiro do ódio. Havia um assassino. Todo mundo foi ao enterro. O pessoal do Clube dos Racionalistas. Enquanto o pastor lia o Salmo 23, eu olhei para os rostos de cada um que estavam ao alcance da minha vista. Achei que poderia descobrir alguma coisa pelos olhares, expressões e gestos das pessoas ali presentes. Mas, naquele ambiente de tristeza, era difícil concluir alguma coisa.

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Roma, 2001.

Enquanto se aproximava do hotel onde estariam os outros participantes do intercâmbio de professores, muitas interrogações perturbavam a mente de Ziva.

Passara boa parte da vida impressionada com as coincidências envolvendo o número 3. De repente encontra uma pessoa que parece conhecer tudo sobre o número 3. Será que alguém estaria querendo passar alguma mensagem pra ela? Quando pensou em alguém, em sua mente, a palavra “alguém” apareceu com um “A” maiúsculo.

Esperava que aqueles poucos dias em Roma fossem os mais agradáveis e relaxantes possíveis e que não fossem perturbados pelo número 3.

O jantar naquela noite foi muito agradável. Eram 21 participantes. Professores de vários países, especialmente das Américas. Em grupos, eles visitaram muitos pontos turísticos em Roma. Ziva estava dividindo um quarto do hotel com duas professoras. Uma do Canadá e outra da Alemanha. No 3.º dia do intercâmbio, sentiu vontade de visitar uma famosa biblioteca romana. Como historiadora não poderia perder uma oportunidade daquela. O nome era Biblioteca Universitária Alessandrina.

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A viagem transcorreu sem incidentes e logo Eliakim estava respirando o ar da famosa cidade das 7 colinas. Ele sorriu ao lembrar disso.

“Sete colinas. Eu tinha mesmo que conhecer esse lugar um dia.”

Eliakim tinha 28 anos. Não era feliz. Parecia estar satisfeito com a vida que levava, mas qualquer observador atento notava o contrário. Ele era um sujeito fechado e solitário. Tinha 18 anos quando veio para a cidade grande, tentar a sorte.

Carregava consigo um mistério. Algo que só começou perceber aos 14 anos. Uma paranóia, obsessão ou algo do tipo. Em tudo o que fazia, que tocava ou em que se envolvia, o número 7 estava lá.

Tentou várias vezes encontrar uma explicação lógica, racional, mas, como alguém disse certa vez “muitas coincidências são coincidências demais para serem apenas coincidências”. Por ele ser ateu, não ter uma explicação lógica para algo era pior do que uma pedra no sapato.

Ele tentava conviver em paz com aquelas coincidências absurdas. Porém, havia ocasiões em que isso era praticamente impossível.

Eliakim dividiu o quarto com outros dois professores. Houve um sorteio para saber quem ficaria com quem em qual quarto. Ele ficou com dois professores americanos, John Dennyson e Mohamed Hassan, de origem árabe. Ele ficou muito ansioso. Aqueles dias pareciam ter tudo para serem interessantes.

Enquanto os três colegas passeavam numa praça histórica, o inesperado aconteceu. Repentinamente, um motociclista surgiu na frente dos três professores e avançou diretamente contra Mohamed, o jovem professor árabe.

O atropelamento foi violento. Mohamed foi lançado longe. O motociclista desapareceu da mesma forma que havia surgido. Todos os que passavam na praça naquele momento correram para socorrer o jovem árabe. Mas seu estado era desesperador. Ele havia batido a cabeça na queda. Respirava com dificuldade. Enquanto alguns tentavam localizar um médico, Eliakim se aproximou e notou que o professor árabe parecia querer dizer alguma coisa.

- Fique quieto, Mohamed. Os médicos estão chegando.

- Não ... haverá ... tempo. Por favor, .... biblioteca Alessandrina... O nome da Rosa...

- Mohamed! Mohamed!

“Droga! E essa agora?”

O caso foi considerado apenas um acidente. Todo o grupo estava desolado. O que fazer agora? O que dizer para os parentes? Como explicar aquele trágico acidente?

Mas Eliakim não estava convencido de que foi um acidente. Vira claramente que o motociclista investiu contra Mohamed. E eles não estavam no meio da rua. Além do mais, as últimas palavras de Mohamed foram estranhas demais.

“Biblioteca Alessandrina. O Nome da Rosa”. Claro! “O Nome da Rosa” era o famoso romance do italiano Umberto Eco. Não fazia sentido. Que droga! Era apenas o 3.º dia do intercâmbio e já acontecera uma desgraça daquela.

Enquanto os principais organizadores do intercâmbio entravam em contato com as autoridades italianas, Eliakim resolveu visitar a famosa biblioteca. Não fazia a mínima idéia do que estava procurando, mas acreditava que, quando alguém está morrendo não perde tempo com coisas sem sentido. O que Mohamed balbuciou deveria ser importante.

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UNIVERSIDADE GALILEU, PORTO ALEGRE, BRASIL, 2008.

Segunda quinta-feira de Maio de 2008.

Apesar do clima sombrio, a vida seguia normal na Universidade. Mas, na tarde daquele dia, coincidentemente eu estava novamente conversando com Leona. Estávamos andando pelo campus.

- Oi, garotas. Tudo bem?

Quase não acreditei quando a professora Zilandra passou por nós e nos cumprimentou. Minha vó nordestina costumava dizer que “até das desgraças pode vir algo de bom”. Bem, a onda de ameaças tinha, pelo menos, um efeito positivo. Zilandra parecia ter se tornado, como dizer, mais humana.

Respondemos ao cumprimento, mas logo depois notamos algo que fez nosso sangue gelar. No ombro direito de Zilandra havia um pequeno papel branco colado. Estranhamos aquilo e nos aproximamos apressadamente.

- Professora, professora, um momento, por favor?

Zilandra voltou-se repentinamente, abaixou a cabeça e nos olhou por cima daqueles chiques óculos escuros.

- Algo errado, meninas?

Rapidamente puxei o pequeno papel. Era o que eu imaginava. Outra mensagem.

- O que é isso? – Zilandra tomou o papel de minhas mãos antes que eu o lesse e exclamou em seguida – Desgraçado!

No pedaço de papel estava escrito (digitado, é claro):

“Ao girar a chave, FHSDE!!!”

- O que é isso? – Leona se aproximou.

- Certamente outra mensagem de ameaças – disse eu – parece que o sujeito mudou seu estilo, pois não cita mais passagens bíblicas. Agora investe nos enigmas.

- O que significa essas letras FHSDE? – Perguntou Zilandra, tensa.

- No momento, não me vem nada na cabeça – respondi.

Leona não disse nada. Pelo olhar dava pra perceber que seus neurônios estavam a mil.

- Droga! Vou procurar o delegado – Zilandra guardou a mensagem na bolsa e saiu em direção ao estacionamento dos carros.

- O que você acha? – Perguntei.

- Estou lembrando de um antigo código envolvendo letras...

Leona parecia saber mais do que aparentava. Eu fiquei muito curiosa.

Não sei quantos segundos se passaram, quando Leona soltou um grito:

- Professora! Professora!

Ela correu como uma louca e fez algo totalmente inusitado. No momento em que Zilandra abriu a bolsa para pegar a chave do carro, foi empurrada violentamente e por pouco não machucou a cabeça.

- Você ficou louca? – Zilandra gritou com Leona, cujo rosto estava pálido e sua respiração bastante ofegante.

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Roma, Itália. Biblioteca Alessandrina. 03 de julho de 2001.

Havia somente 7 volumes do romance “O Nome da Rosa”. Eliakim sorriu com a coincidência. Mas agora precisava se preocupar com coisas mais sérias. Era muito difícil descobrir a suposta mensagem secreta de Mohamed, pois o “livrão” tinha mais de 400 páginas e o moribundo não indicou nenhuma.

Porém, ele tinha que começar por algum lugar. Apanhou o primeiro volume. Folheou-o várias vezes. Nada. Apanhou o segundo. Nada. Repentinamente sorriu. Resolveu se aproveitar da paranóia do número 7 e apanhou o 7.º volume. Ao folheá-lo pela segunda vez, um pedaço de papel caiu no chão.

“Droga!” Eliakim sentiu um calafrio. As respostas para muitas perguntas deveriam estar ali. Nervoso, e olhando em todas as direções temendo estar sendo observado, apanhou o pedacinho de papel, que estava dobrado. Para não despertar suspeitas, resolveu desdobrar o papel dentro do livro.

“Quando o 3º dia se encontrar com o 7.º,
quando as 37 semanas se completarem,
Iracema deverá morrer.”

“O que farei agora? Em quem confiar?”

Se tivesse lido aquilo em outras circunstancias não teria dificuldade em achar que era apenas uma brincadeira. Mas alguém foi morto. Ele colocou o livro de volta na estante, guardou o papel e ficou alguns minutos olhando para o vazio, tentando imaginar o que poderia fazer de agora em diante.

Resolveu sair dali. Seu andar denotava preocupação e nervosismo. Ao sair daquela seção de livros, esbarrou em uma moça que vinha na direção contrária, trazendo vários livros.

Caiu livro para todo lado, e, naquele silêncio de biblioteca, a “trombada” chamou a atenção de todos.

- Por favor, me perdoe – Eliakim estendeu a mão para a moça, que procurava algo em que se apoiar a fim de levantar-se.

- Desculpe-me, eu ... eu devia... devia olhar ... olhar por onde ando – no momento em que os olhos de Eliakim se cruzaram com os da moça, os corações de ambos se agitaram mais do que uma erupção vulcânica. Eles ficaram paralisados.

As mãos deles estavam geladas. Eles não piscavam. Parecia que o tempo havia parado. Eles tentavam dizer alguma coisa, mas palavra nenhuma saía.

No momento em que as mãos conseguiram se desgrudar, a moça correu tão desesperada que parecia estar fugindo de um fantasma.


“Que loucura! O que está acontecendo comigo?” Eliakim continuava sem reação, enquanto olhava a moça desaparecendo num dos corredores da biblioteca. 

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