sábado, 6 de setembro de 2014

PRÓLOGO - QUANDO O 3.º SE ENCONTRAR COM O 7.º DIA...


Biblioteca Universitária Alessandrina, Roma, julho de 2001.

“Quando o 3º dia se encontrar com o 7.º,
quando as 37 semanas se completarem,
Iracema deverá morrer.”

Eliakim, um jovem professor de matemática, suava frio. Estava de posse de uma folha de papel. E a mensagem que acabara de ler o fez se arrepender amargamente por ter se metido naquela situação insólita.

“O que farei agora? Em quem confiar?”

Se tivesse lido aquilo em outras circunstancias não teria dificuldade em achar que era apenas uma brincadeira. Mas alguém foi morto. Ele colocou o livro de volta na estante, guardou o papel e ficou alguns minutos olhando para o vazio, tentando imaginar o que poderia fazer de agora em diante.

Resolveu sair dali. Seu andar denotava preocupação e nervosismo. Ao sair daquela seção de livros, esbarrou em uma moça que vinha na direção contrária, trazendo vários livros.

Caiu livro para todo lado, e, naquele silêncio de biblioteca, a “trombada” chamou a atenção de todos.


- Por favor, me perdoe – Eliakim estendeu a mão para a moça, que procurava algo em que se apoiar a fim de levantar-se.

- Desculpe-me, eu ... eu devia... devia olhar ... olhar por onde ando – no momento em que os olhos de Eliakim se cruzaram com os da moça, os corações de ambos se agitaram mais do que uma erupção vulcânica. Eles ficaram paralisados.

As mãos deles estavam geladas. Eles não piscavam. Parecia que o tempo havia parado. Eles tentavam dizer alguma coisa, mas palavra nenhuma saía.
No momento em que as mãos conseguiram se desgrudar, a moça correu tão desesperada que parecia estar fugindo de um fantasma.

“Que loucura! O que está acontecendo comigo?” Eliakim continuava sem reação, enquanto olhava a moça desaparecendo num dos corredores da biblioteca.

*******
Jerusalém, Israel, outubro de 1972.

- Bem-aventurado todo aquele que teme ao Senhor e anda nos seus caminhos. Pois comerás do trabalho das tuas mãos; feliz serás, e te irá bem. A tua mulher será como a videira frutífera, no interior da tua casa; os teus filhos como plantas de oliveira, ao redor da tua mesa.

O velho rabino Samuel Salomon, muito emocionado, lia as palavras dos Salmos. Ele sempre se comovia ao realizar um casamento. Gostava de ensinar na sinagoga que o casamento era uma lembrança sempre viva do relacionamento de Deus com o Seu povo. Naquela manhã, em uma cerimônia simples, realizava a união matrimonial de dois casais. Era para ser um momento maravilhoso, alegre, como geralmente era o clima de um casamento. Mas, naquele dia, a atmosfera estava muito tensa. Havia pouca gente assistindo a cerimônia, que estava sendo realizada não numa sinagoga, mas num local secreto.

Um conflito milenar estava no centro daquele duplo casamento.

Nassir e Hassan Namazi, dois irmãos oriundos de famílias muçulmanas, estavam firmando uma aliança matrimonial com Nathanya e Dinah Beth-Shamir, duas irmãs judias. Árabes e judeus se unindo em matrimônio era uma afronta contra as tradições de ambos os povos.

E, pra piorar ainda mais: Os quatro jovens haviam se convertido ao Cristianismo há pouco tempo. Todos eram filhos de famílias religiosas da ala mais radical, e imediatamente começaram a sofrer as conseqüências: foram expulsos de seus lares e passaram até a ser ameaçados de morte por parte dos parentes mais extremistas.

Nassir e Hassan tinham um futuro brilhante na Universidade de Jerusalém. Apesar de criados no seio de uma família muçulmana fundamentalista, os dois rapazes possuíam a mente aberta, e freqüentemente dialogavam com fiéis de outras religiões, especialmente o cristianismo.

Num desses diálogos conheceram e se apaixonaram por duas lindas judias. Duas jovens judias messiânicas, isto é, judias convertidas ao cristianismo, algo cada vez mais comum em Israel nos tempos modernos. O que gerava muitas controvérsias e despertava a ira dos rabinos.

Nathanya e Dinah, eram brilhantes, super ativas tanto na Universidade quanto na igreja. Elas eram irmãs de sangue. Constantemente estavam envolvidas em debates de alto nível envolvendo temas polêmicos das religiões cristãs, judaica e muçulmana.

         O rabino Samuel se tornara cristão há 14 anos, mas era muito respeitado em Israel e muitos o consideravam um sábio homem de Deus. Entretanto, vez por outra, ao pregar o cristianismo na terra onde tal religião nascera, sofria pressão por parte de seus irmãos de sangue (árabes e judeus). Era como um pai para os quatro jovens, e, diante da intenção matrimonial daqueles brilhantes universitários cristãos, os aconselhou a passarem um tempo na América, pois as ameaças se intensificavam cada vez mais.

- Eis que assim será abençoado o homem que teme ao Senhor. De Sião o Senhor te abençoará; verás a prosperidade de Jerusalém por todos os dias da tua vida, e verás os filhos de teus filhos e a paz sobre Israel.

Ao terminar a leitura, o velho rabino sentiu um aperto no coração. Se havia uma coisa que todos os judeus ansiavam, era o cumprimento da última frase do Salmo 128: “... e verás a paz sobre Israel”. Paz? Quando, afinal? O Estado de Israel vivia em tensão constante. Seis anos atrás (1967) Samuel testemunhou de perto mais uma guerra, a famosa Guerra dos 6 Dias, entre Israel e o povo árabe. O rabino jamais iria se esquecer da emocionante cena dos soldados judeus chorando diante do muro das lamentações, pois naquele ano, após 25 séculos, Jerusalém voltou para as mãos de Israel. E isso era mais um sinal importante da chegada do Messias, pois os profetas foram muito claros em afirmar que o Messias só apareceria em Israel quando Jerusalém estivesse novamente nas mãos dos judeus.

Samuel estava velho, cansado de ver o sofrimento do seu povo. Sentia que a Vinda do Messias estava muito próxima, mas achava que morreria antes. Possivelmente ele só veria a paz sobre Israel na outra vida.

Mas, naquele momento em que realizava a parte final da cerimônia de casamento, aconteceu algo inesperado.

Subitamente sua visão escureceu e ele sentiu uma estranha fraqueza nas pernas, levando-o a se segurar em algo para não cair. Mas minutos depois, foi ao chão.

- Alguém ajude aqui, depressa! – Hassan correu e se debruçou sobre o velho rabino.

Logo, uma pequena multidão cercou o ancião. Ele foi levado para uma sala ao lado e colocado numa espécie de cama. Dinah aplicou as técnicas de primeiros socorros. Todos estavam preocupados. O tempo foi passando e o ancião desmaiado.

- Ele não tem problemas cardíacos, pelo que sabemos – disse Nathanya.

- Talvez seja melhor levá-lo ao hospital – disse Dinah, segurando a mão do rabino.

- Vejam, ele abriu os olhos – apontou Nassir.

Minutos depois, Samuel Salomon estava novamente de pé.

- Tem certeza que está bem, rabi? – Perguntou Nassir.

- Não se preocupem, filhos. Estou me sentindo bem. Na verdade, muito bem.

Havia um brilho diferente no olhar de Samuel. Seu rosto estava radiante. Nem parecia que o homem esteve desmaiado alguns minutos.

- Bem, vamos voltar e concluir a cerimônia – disse, sorrindo – afinal, temos dois casais muito ansiosos aqui.

E a cerimônia foi concluída sem mais problemas.

Quando os poucos convidados saíram Samuel pediu um particular com os recém casados.

- Eu tive uma visão – disse, quando todos estavam sentados, num local reservado.

Os quatro jovens se entreolharam.

- Quando li a última frase do Salmo, minha visão escureceu e logo vi uma luz muito forte. Eu não podia me mexer, não podia falar nada. A luz brilhava tão forte como o sol, mas meus olhos não ardiam. Então ouvi uma voz.

Os dois casais escutavam com atenção redobrada.

- Eu vi duas crianças de sexo diferente. Então a voz disse de forma muito clara: Estas crianças serão separadas repentinamente e no ano em que se reencontrarem começará a Era do Terror sobre a terra, o principio das dores, o começo da redenção de Israel.

A voz disse ainda: elas viverão um grande amor e do fruto desse amor virão aqueles que prepararão o caminho do Messias em Jerusalém.

Nathanya, Dinah, Hassan e Nassir se entreolharam. O rabino continuou:

- A voz disse mais: Muito sangue ainda será derramado até que venha a paz sobre Israel. Estas crianças sofrerão uma dor profunda quando o 3.º dia se encontrar com o 7.º, depois de 37 semanas. Então, dentro de pouco tempo o Messias virá e todos verão a paz sobre Israel.

Um pesado silêncio caiu sobre a sala, quando Samuel terminou de relatar sua visão. Nathanya foi a primeira a quebrar o silêncio.

- Rabino, o que essa estranha visão significa exatamente?

O sábio ancião respirou fundo.

- Não sei, querida. Não sei. Apenas relatei o que vi e foi muito forte. Nunca tive uma experiência como essa.

- Mas o senhor tem alguma ideia sobre a identidade dessas crianças? – perguntou Dinah.

- Aí é que está outra coisa estranha. A voz não me disse nada, mas, por alguma razão, eu sabia que as duas crianças eram filhas de vocês.

- Nossos filhos? – Admirou-se Hassan, coçando o queixo.

- Sim – confirmou o rabino, acenando com a cabeça – eu sentia claramente que as duas crianças eram filhas de vocês. Dos quatro.

- E essa história de que elas se separarão e se reencontrarão no ano em que começará a Era do Terror? – Perguntou novamente Dinah.

- Não sei – respondeu Samuel - Sinto muito. A gente escuta muitas coisas, mas muitas vezes não compreende.

- O senhor falou também no encontro do 3.º dia com o 7.º. E falou em 37 semanas... – disse Nathanya.

- São os dois dias mais especiais nas Sagradas Escrituras – respondeu o rabino – muitas vezes o SENHOR ordenava que o Seu povo se purificasse no 3.º e no 7.º dia.

- E como é que esses dois dias poderão se encontrar? Como é isso? – Indagou Dinah, impaciente.

- Só O SENHOR poderá nos esclarecer – respondeu Samuel – talvez com o tempo. Mas esqueci de contar uma coisa.

Os jovens olharam fixamente para o rabino.

- No final da visão me pareceu ver alguns números passando rapidamente diante dos meus olhos.  Eu só conseguia discernir dois números que se repetiam. 3, 7, 3, 7, 3, 7, ...

Novamente os jovens se entreolharam.

Todos estavam tensos com aquelas palavras. Principalmente uma pessoa que estava ali perto, escondida atrás de uma porta, ouvindo toda a conversa desde o principio.

*******
Jerusalém, Praça Zion. Próximo do entardecer de 11 de Setembro de 1973.

Dois jovens casais, cada um empurrando um carrinho de bebê, conversavam alegremente, enquanto desciam pela parte mais florida da praça. E a mais movimentada naquela hora.

- Ah, Deus, que felicidade estar ao lado de vocês agora – disse Hassan.

- Gosto muito daqui. Mas essa sensação de perigo, de insegurança, tira a paz de minha alma – disse Dinah com o semblante triste.

- Talvez seja bom a gente passar um tempo na América – disse Nassir, parando um pouco e olhando para a criança no carrinho - Antes não temia pela minha vida, mas agora com o nascimento dos nossos filhos, passei a me preocupar muito com eles.

- Já faz seis anos que Israel enfrentou uma guerra. Não me admiraria se houvesse outra qualquer dia desses – disse Hassan, logo acrescentando – e nossa famílias continuam se digladiando, sem trégua.

- E não podemos nos esquecer das ameaças de morte que vez por outra ouvimos dos nossos parentes – disse Nathanya – não quero ver meu filho crescer num ambiente desse.

- Sabe que, de vez em quando lembro das palavras do rabino? – falou Dinah – até agora sua visão tem se cumprido. Ele viu duas crianças, menino e menina. Nós temos um menino e uma menina.

- E eu nunca deixei de pensar nas expressões relativas ao encontro do 3.º com o 7.º dia, as 37 semanas – Nathanya falou, pausadamente - Não consigo entender.

Os quatro jovens caminhavam sem nenhuma pressa. Apesar das preocupações, estavam muito felizes. O sol estava desaparecendo no horizonte. Mas no outro dia certamente ele nasceria novamente. E como era maravilhoso ver o sol nascer em Jerusalém.

Por um momento os jovens casais esqueceram a visão do rabino e passaram a conversar amenidades. Eles estavam muito felizes. Seria bom demais se a paz reinasse sobre Israel. Seria maravilhoso se árabes e judeus se conscientizassem de que tinham o mesmo sangue, e que todos descendiam do grande Abraão, o homem que foi chamado nas Escrituras de o amigo de Deus.

Mas o horizonte prometia guerra e não paz. A única esperança de Israel era a vinda do Messias. Mas quando, afinal, Ele viria?

Subitamente, Hassan parou e disse para Dinah, Nathanya e Nassir.

- Aconteça o que acontecer, não devemos perder as esperanças. Sinto que não vai demorar e veremos a paz sobre Israel.

- Eu também creio que... – subitamente Nassir soltou o carrinho e levou as duas mãos ao peito, soltando um grito de dor.

- Nassir! – Dinah o abraçou, assustada. Solto, o carrinho do bebê dela desceu pela praça.

- Meu Deus! Nathanya! – O grito de Hassan ecoou segundos depois quando ele viu, horrorizado, um buraco aberto e sangue jorrando entre os seios de sua adorada esposa.

O carrinho do bebê de Nathanya também desceu pela praça.

Mais dois disparos foram ouvidos.

Debruçada sobre o esposo, e chorando, Dinah sentiu de repente uma forte queimadura nas costas. Passou a mão direita e notou, estarrecida, sua mão manchada de um líquido vermelho escuro, a cor do sangue. Ela soltou um breve gemido e caiu sobre o corpo ensangüentado de Nassir.

Em poucos minutos, quatro corpos sem vida. As pessoas se aproximaram devagar, estarrecidas, perplexas, sem palavras, diante de uma cena tão dramática.


Na linda Praça Zion, em Jerusalém, quatro corpos sem vidas e dois lindos bebês órfãos, olhando assustados para tanta gente estranha ao seu redor. E o sol desaparecendo no horizonte, como se estivesse revoltado diante de um quadro tão triste. Diante de um crepúsculo tão melancólico e sombrio.

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